quarta-feira, 23 de outubro de 2013

O frigorífico da Filomena

Andavam cansados. Ele e ela.
A ele sobravam-lhe os anos, a ela minguava-lhe o salário.
E assim foram vivendo, suportando-se mutuamente.
Um dia, porém, ela tomou a decisão inevitável: tinham de separar-se. Ele já não cumpria a função, volta e meia deixava de funcionar e, por escassos que fossem os euros, era necessário reformá-lo.
Foi assim que, depois de meses e meses de indecisão, a Filomena concluiu que tinha de comprar um frigorífico novo.

Foi à loja e disse o que queria: duas zonas, arca congeladora e frigorífico no mesmo aparelho. Levava até a preferência por determinada marca. Olhou, olhou, mas não viu o que pretendia.
O funcionário, simpático e disponível, disse-lhe que podia escolher por catálogo, que no prazo de uns quatro dias, uma semana no máximo, o frigorífico estaria em casa dela.
Assim fez. Abriu o livro, largo de folhas e repleto de fotografias, viu, viu e… escolheu. Era mesmo aquele, o da página 15, que ela queria. Acertaram a compra, o preço, o pagamento em prestações. E ela pagou logo a primeira, cerca de metade do valor do aparelho.

Uns dias depois, bateram-lhe à porta. Era o frigorífico. Chegara o momento da troca: levar o velho, usado por mais de 20 anos, e instalar o novo.
Mal romperam a embalagem, Filomena [é dela que estou a escrever] viu que não era aquele o modelo escolhido. Quem sim, que era, disseram os dois homens que tinham carregado o frigorífico escadas acima. Que não, teimava ela, factura de compra na mão, a comparar o número do modelo que constava no papel com o que estava escrito numa placa nas costas do aparelho.
Os dois homens telefonaram para a loja. Falaram. Ela também foi ao telefone. «Ou me trazem o aparelho que eu escolhi e já comecei a pagar, ou não há negócio!», garantiu, determinada. Do lado de lá diziam-lhe que este modelo era novo, melhor do que o outro, com mais funcionalidades e tudo. Mas ela não cedeu: ou era o frigorífico que tinha escolhido ou não seria nenhum outro. Só queria aquele. E acrescentou que estavam a tentar enganá-la, a vender-lhe gato por lebre.

Os dois homens lá tiveram voltar a carregar o frigorífico novo, escadas abaixo, de regresso à loja. Sem vontade, mas também sem outra alternativa, perante a firmeza de Filomena. E prometeram voltar no prazo de dois, três dias.

Assim aconteceu. Regressaram na terça-feira seguinte, então sim com o tal frigorífico, o que ela escolhera. Instalaram o aparelho novo e levaram o velho. O negócio, finalmente, concretizara-se: ela escolhera determinado produto e o que lhe entregaram correspondia ao que tinha escolhido. Estava desfeito o engano, cumprira-se o contrato.

Nessa noite, sentada no sofá, a descansar de mais um dia de canseiras, tantas!, Filomena deu consigo a filosofar: «Assunto encerrado, este do frigorífico. Em duas semanas tudo se resolveu. Fosse assim na Política!... Nesta, votamos num partido que promete não aumentar impostos, ele ganha, chega ao poder e faz o contrário, e quando nós reclamamos e pedimos que cumpra o prometido, dizem-nos para esperar pelas próximas eleições, para esperar quatro anos. O negócio dos frigoríficos, afinal, é mais sério do que a Política».


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