quinta-feira, 19 de setembro de 2013

CARTA (póstuma) A LUIZ GOES


Olha, Luiz, foi muito digno o funeral.
Santa Cruz cheia. As portas abertas de par em par.
Doutores e futricas, povo simples e autoridades, malta das canções e da bola. O Octávio, o Pato, o Moura, os Campos, o Belo e o Marques. Amigos conhecidos, gente anónima. O Edmundo.
No final, o Polybio deu-te um abraço em nome dos colegas de curso, o Carlos conseguiu declamar por entre as lágrimas aquele poema que costumavam cantar juntos.
A Academia esteve representada ao mais alto nível e foram eles que te colocaram por cima a bandeira da Associação.
Cumpriu-se também o teu outro desejo: ouviu-se o «Ó Coimbra do Mondego / E dos amores que eu lá tive...». (Olha, desculpa, disseste que não querias choraminguices, mas eu chorei como uma Maria Madalena, de pé, que o momento era sagrado).
Estava muito calor e várias dezenas de pessoas ao sol no Largo de Sansão. A malta despediu-se de ti à porta da igreja com um F-R-A. E quando o carro fúnebre começou a andar, mesmo atrás de mim, ali para o lado da Carmina, uma jovem já entradota na idade enviou-te um sonoro «Adeus, querido!». E o companheiro dela, não sei se de circunstância se da vida, acrescentou de imediato «Faz boa viagem, pá!». Era a Coimbra futrica a saudar-te, coração aberto, alma ao léu.
Foste chorado por muitos daqueles que te admiravam; ou melhor, que te amavam. Porque tu eras, és, a nossa voz. O Alcoforado não tirou os óculos escuros na hora e meia dentro da igreja. E à saída muitos eram os olhos moídos pelas lágrimas. Mas olha, Luiz, acho que quem chorou mais foi o Carlos, esse, esse mesmo, o teu "irmão" das últimas duas décadas.
E pronto. Como bem sabes, partiu o meu ídolo de criança, que só conheci pessoalmente já bem adulto. Mas ficou o Amigo com quem depois tive o privilégio de conviver por aqui e por ali.

Um dia destes reencontramo-nos, Luiz, está bem?

(texto publicado originalmente no Facebook em 19/9/2012)

1 comentário:

  1. Conheci a obra dele tarde, admirei-o por ela e ainda o consegui acompanhar algumas vezes. A parte humana suplantava em muito a parte artística, essa foi a grande surpresa...
    Decidi não ir ao Funeral do L. Goes numa tentiva de manter em mim apenas a recordação dele vivo, como artista admirável, mas sobretudo como pessoa de um trato extraordinário que tive o privilégio de conhecer.
    Li este texto no final do dia do seu funeral, chorei como já não chorava há muito tempo. Talvez não chorasse por ele, talvez fosse apenas por mim, pela perda irreparável sofrida, pelo breves momentos vividos que se tornaram irrepetíveis, pela perda de um Coimbrão, pela perda de um Homem Bom, pela perda de um pouco de cada um de nós.
    Um F.R.A.
    A.Tomás

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